H.MATISSE/M.CHEKHOV (Parte 1 de 3)


L’EXACTITUDE N’EST PAS LA VÉRITÉ
[1]
A semana em que levei Michael Chekhov para visitar Henri Matisse
PARTE 1 de 3

Tive a grande sorte de crescer em uma família que amava e respeitava livros, arte, música e o teatro, e conforme fui crescendo, descobri que meus interesses moravam em todas estas direções. Também herdei uma paixão especial por Henri Matisse e como visitávamos duas ou três vezes ao ano um pequeno vilarejo nas montanhas perto de Nice, ele se tornou uma pessoa bem familiar da região. Nos anos 70 o Musée Matisse era um lugar meio improvisado, com peças dos seus móveis espalhadas pelas salas e dezenas de croquis apresentados de forma aleatória, com um certo charme da época pré-curadoria profissional. O museu fica somente 100m abaixo do Le Régina, o velho hotel em Cimiez onde Matisse passou seus últimos anos, então não era difícil imaginar sua presença idosa caminhando vagarosamente de um cômodo ao outro.

Mais tarde, como jovem adulto, estudei desenho e pintura, e Matisse foi um guia e inspiração constante, não só sua linda arte mas seu incentivo suave – mas firme – de trabalhar todos os dias. Eu continuava passando muito tempo perto de Nice, e mais perto ainda de Vence, o local da grande obra dos últimos anos de Matisse, a extraordinária Chapelle du Rosaire, que continuo visitando sempre que eu puder. Aliás, sempre tenho saído do meu caminho para visitar as obras de Matisse, tenho lido sobre ele e quando possível viajado para exposições. Eu simplesmente sinto uma conexão pessoal muito forte com sua maneira de expressar a vida; Matisse tem me acompanhado desde que me entendo por gente.

Esbarrei superficialmente com Michael Chekhov através de um professor na escola, da qual eu amava as aulas de teatro e participava de produções. Mas foi só quase três décadas mais tarde que eu o conheci melhor, quando comecei a dirigir filmes e trabalhar com atores. Esta reconexão cresceu rápido e acabou mudando a minha vida, porque em 2010 eu já estava estudando seu legado artístico de uma forma profunda e ensinando a sua técnica, hoje a minha principal atividade profissional.

Michael Chekhov desenvolveu uma visão bem ampla e maravilhosa do que é ser um artista, o que é criar arte. Ela foi parcialmente inspirada pela Antroposofia de Rudolf Steiner, mas Chekhov abraçava um universo de ideias próprias, que permeiam seus escritos, palestras e o acervo extenso de transcrições de aulas, através de qual podemos o “ouvi-lo” compartilhando esta visão com seus alunos, de várias formas. Ao trabalhar como professor seguindo os passos do Chekhov, tenho descoberto não só que sua visão contém uma verdade profunda para o artista, mas tem iluminado para mim grande parte do que é estar aqui neste mundo, lidando com esta experiência que chamamos vida.

Recentemente, eu levei para uma viagem um velho livro de escritos e entrevistas do Matisse, Écrits et propos sur l’art, que devo ter comprado enquanto jovem artista no final dos anos 70 ou início dos 80. Me lembro de ter ficado bastante interessado neste livro na época, mas ele nunca me inspirou especialmente. Não havia lido desde então, mas agora ideias profundamente significativas e insights muito familiares do mundo do Michael Chekhov saltaram das páginas, e enquanto eu ia lendo, me dei conta que estes dois grande artistas haviam chegado à precisamente a mesma visão da experiência criativa. Esta clareza me abalou um tanto, porque ela não só trouxe estes dois grande amigos subitamente para dentro do mesmo recinto, mas meu forneceu bastante o que pensar sobre mim mesmo enquanto jovem homem na busca de um caminho mas me sentindo bastante perdido, embora evidentemente esbarrando em coisas extraordinárias, mesmo que não fosse sempre capaz de agarrá-las plenamente. Por enquanto ainda não.

Écrits et propos sur l’art estava lá borbulhando nas minhas prateleiras por uns 35 anos e agora, para o meu deleite, aqui estávamos, nós três, Matisse, Chekhov e eu, sentados para uma série de conversas ao longo de uma semana. O que segue é um relado de alguns temas que surgiram nas nossas conversas, junto com citações do livro.

(lê a continuação Parte 2)

(c) 2017 Hugo Moss
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[1] “Exatidão não é a verdade”, Matisse citando Delacroix em L’Art Vivant, nº 18, 15 de setembro de 1925.

 

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