Conheci Hector Babenco em 2001 quando ele estava trabalhando no roteiro de Carandiru e, a partir dali, trabalhamos juntos em todos os seus filmes. Hector se envolvia em todos os aspectos da produção e como falava bem inglês sempre participava ativamente dos desafios de tradução dos seus roteiros ou da legendagem – que no caso de Carandiru, aliás, não eram poucos. A linguagem musical das falas do detentos precisava de atenção especial e em 2002, quando chegou a hora de prepararmos as legendas, acabei passando três dias em SP com Hector e o veterano montador Mauro Alice, criando cuidadosamente os diálogos em inglês.
[Durante aquela visita, outro grande presente eram os almoços com Mauro, porque ele contava histórias do seu mestre austríaco Oswald Hafenrichter, de quem aprendeu a editar nos anos 50. Depois da guerra, Hafenrichter havia sido chamado para Londres para trabalhar com Alexander Korda e Carol Reid, e chegou a ser nomeado para um Oscar por seu trabalho primoroso em The Third Man, com Orson Welles. Em Londres ele conheceu o brasileiro Alberto Cavalcanti, que em 1949 estava voltando para o Brasil para montar o estúdio Vera Cruz. Em 1950 Cavalcanti convenceu o Hafenrichter a passar uma temporada no estúdio e foi assim que Mauro teve a sorte de receber uma formação tão ilustre – e rigoroso.]
Outro trabalho importante que fiz para Babenco foi seu último filme, Meu Amigo Hindu. Importante porque o roteiro acabou sendo filmado em inglês, então a tradução do roteiro servia tanto para os ensaios quanto como shooting script durante as filmagens. No período dos ensaios foi necessário manter atualizada a versão em inglês, um processo complexo ao longo de meses de trocas para realizar, a cada três ou quatro dias, as sempre urgentes mudanças .
A partir de 2010, Hector acompanhou de longe a criação e crescimento da Michael Chekhov Brasil, então um dia durante uma conversa sobre o roteiro disse: “Vou te dar um papel no filme, tá bom?” Acabei fazendo uma ponta como o personagem Ivan, um velho judeu amigo do protagonista (Willem Dafoe).
Pelo seu ritmo de produção, seria provavelmente por estes dias que eu receberia um telefonema do Hector com alguma demanda para seu novo roteiro. Mas Hector faleceu exatamente um ano atrás, não muito tempo depois do lançamento de Meu Amigo Hindu. Ele tinha 70 anos de idade.
Sentindo muita falta agora do telefonema que não virá mais.