Em 1986 estava morando há três anos em Brixton, um bairro no sul de Londres, em um quarto alugado na casa de Michael Fish, um designer de moda importante dos anos 60. Meu irmão Gérard havia se mudado para o Rio uns anos antes e meus pais já haviam feito uma visita, conhecendo também Ouro Preto e Brasília. Seu álbum da viagem me encantou e decidi tomar a coragem e seguir em seus passos. Sim, coragem. Porque embora eu fosse um viajante já experiente, meus horizontes eram ainda principalmente europeus. Ir até o Brasil parecia um gesto além do meu alcance. Mas em abril me apoiei na minha curiosidade incontrolável e embarquei para um primeiro vôo interminável de 11 horas. Ao chegar, fiquei instantaneamente fascinado, deslumbrado com o país, a língua, música, pessoas, paisagens…principalmente durante os dez dias que passei em Minas, vagando até as serras de Diamantina num carro alugado.
Foi ali no interior de Minas que uma semente começou a brotar, a idéia de passar um tempo no Brasil. A fascinação por tudo que estava vivendo naquelas paisagens era tão grande; sentia que aquilo ia render bastante vida para mim. Em maio voltei para Londres e comecei a fazer alguns planos tímidos, procurando algum motivo concreto que me levasse para o Brasil, pelo menos por um tempo um pouco maior, quem sabe um ano.
Trabalhava na área editorial, era gerente de uma livraria no coração de Bloomsbury, então comecei a sondar a viabilidade de começar uma agência literária representando autores brasileiros. Não que eu conhecesse algum autor brasileiro, muito menos a literatura brasileira (traduções ainda eram esparsas), e menos ainda a língua portuguesa, mas como livros e Brasil eram naquele momento minhas duas principais paixões, era a única pista que eu tinha. Em outubro rodei a Feira de Livros de Frankfurt com o projeto da agência em baixo do braço, porém sem muito sucesso. Finalmente, no início de 1987, consegui um trabalho pesquisando para uma editora um guia turístico sobre Brasil. O Embaixador José Merquior me recebeu na Embaixada de Londres e me cedeu um visto cultural de um ano.
Aos poucos fui organizando a minha retirada de Londres, me despedindo da livraria, empacotando e levando a minha extensa biblioteca e alguns outros pertences para a casa dos meus pais no interior da Inglaterra. Esta longa despedida culminou em uma grande festa na casa do Michael, com a banda de música irlandesa em qual tocava nos fins de semana, todos os amigos do mundo literário, outros artistas e várias figuras daquele bairro colorido. Enquanto o dia clareava, eu e o último convidado, o músico Steve Hodge, escalamos a cerejeira no fundo do jardim e ficamos lá no alto compartilhando silenciosamente este momento tão grande, os passos para o desconhecido distante. No meio desta cena de contemplação e deslumbramento, enquanto o amanhecer seguia ignorante seu caminho, chamamos a atenção de um entregador de leite passando na rua de traz. Ele riu. Nos três rimos. Ele nos jogou uma caixinha de suco de laranja para ajudar a superarmos os excessos da noite, e seguiu seu caminho.
No dia seguinte, um ano depois de conhecer Brasil pela primeira vez, segui também meu caminho. Fui ao aeroporto de Heathrow com uma mala e meu visto. Era 23 de abril. Eu tinha 25 anos.